As aulas foram destinadas à realização e discussão dos seminários sobre o Código de Ética do
Nutricionista e o Guia de Conduta para Acadêmicos de Nutrição. Cada grupo ficou responsável
por estudar e apresentar um capítulo, selecionando artigos-chave e exemplificando situações
reais ou fictícias de cumprimento ou descumprimento. Após as apresentações, tivemos
discussões coletivas bem empolgantes e produtivas sobre as principais reflexões levantadas
sobre a ética na prática profissional e na formação acadêmica.
O Código de Ética do Nutricionista, é o principal documento normativo que orienta os direitos,
deveres e limites da atuação profissional do nutricionista. Ele destaca o compromisso com a
atuação profissional crítica e responsável frente aos diversos contextos sociais. As normas nele
contidas visam proteger tanto o público quanto a imagem e a credibilidade do nutricionista,
promovendo uma prática profissional ética, científica, imparcial e comprometida com a saúde
coletiva.
Durante os seminários, os grupos abordaram os dez capítulos do Código. O Capítulo III, foco do
nosso grupo, trata das Condutas e Práticas Profissionais. Entre os artigos debatidos, o Art. 31
estabelece que o nutricionista tem direito de exercer sua profissão sem interferência de pessoas
não habilitadas. O Art. 38 proíbe que se adotem condutas profissionais baseadas em interesses
comerciais, práticas modistas ou imposições de protocolos padronizados. Já o Art. 45 veda que
o nutricionista se beneficie financeiramente da profissão em prejuízo da sociedade ou em
desacordo com os princípios éticos.
O Capítulo IV, sobre Meios de Comunicação e Informação, é particularmente relevante para os
tempos atuais, em que as redes sociais se tornaram espaço de divulgação profissional. O
Código proíbe expressamente a publicação de imagens com “antes e depois”, considerando
essa prática antiética, pois promove exposição indevida e reforça padrões estéticos danosos. O
Art. 51 determina que é vedado ao nutricionista realizar publicidade sensacionalista,
comparativa ou enganosa.
Outro ponto importante é abordado no Capítulo V, sobre Associação a Produtos, Marcas ou
Serviços. O Art. 55 define que o nutricionista não pode associar sua imagem profissional de
forma exclusiva a marcas, produtos ou serviços, sem deixar clara a existência de outras opções
disponíveis. Isso se aplica, por exemplo, à divulgação de cupons de desconto, parcerias com
marcas de suplementos ou utensílios alimentares, quando há omissão de alternativas ou
conflito de interesses.
Já o Guia de Princípios de Ética e Conduta para Acadêmicos de Nutrição reforça que o
comportamento ético deve ser cultivado desde a graduação. Ele alerta contra a prática ilegal da
profissão por estudantes, orienta a não prescrever dietas ou promover atendimento nutricional
sem habilitação, e condena o uso indevido das redes sociais para se autopromover enquanto
ainda em formação. Isso inclui a publicação de conteúdos que simulam atendimento e a
divulgação de parcerias comerciais sem embasamento técnico.
Refletir sobre o Código de Ética e o Guia do Estudante foi essencial para entender que a ética na
Nutrição não se resume a um conjunto de regras abstratas, é um compromisso direto com a
proteção da saúde, a dignidade humana e a seriedade da nossa profissão. Essa consciência não
veio apenas pelos textos, mas também pelas experiências reais que já vivenciei com
profissionais que agiram de forma antiética. Já presenciei nutricionistas prescrevendo fórmulas
manipuladas sem respaldo, promovendo produtos sem embasamento científico e ignorando
completamente os princípios da individualidade e da escuta. Nessas situações, o que mais me
marcou foi perceber que, muitas vezes, o paciente sequer sabe que está sendo exposto a riscos
e é justamente por isso que o Código é tão necessário: para proteger a sociedade.
O Artigo 31, me fez pensar na importância da nossa autonomia profissional estar respaldada em
um documento oficial, especialmente em contextos como clínicas de estética e academias,
onde ainda há tentativas de interferência por parte de gestores ou outros profissionais sem
formação em Nutrição. Além disso, os artigos 38 e 45 nos alertam sobre os riscos do marketing
nutricional, um campo cada vez mais presente na realidade da nossa geração. Condenar
práticas motivadas por modismos ou interesses financeiros, é de suma importância nesse
contexto e me fizeram refletir sobre o crescente fenômeno das “blogueiras nutricionistas”,
perfis nas redes sociais que confundem autoridade científica com influência de mercado. A
crítica da nossa professora ficou gravada em mim: “Quem quer ser blogueira, não pode se
formar em Nutrição.” É uma frase provocativa, mas extremamente real. A tentativa de
transformar o nutricionista em “digital influencer” a serviço de marcas, muitas vezes com uso
de cupons lucrativos e promessas milagrosas, desrespeita o Código e banaliza uma profissão
que exige responsabilidade técnica e ética. Não é à toa que, nos últimos anos, alguns
influenciadores formados optaram por se desvincular do CRN para escapar da fiscalização
ética. Essa escolha por deixar de ser profissional para virar apenas “marca” revela uma inversão
grave de valores. É como se a estética, o engajamento e o lucro importassem mais que a saúde
e a ciência.
Ainda mais preocupante é perceber que, mesmo dentro da universidade, colegas já reproduzem
essas condutas. O Guia do Estudante me chamou atenção pela forma como nos lembra que a
ética começa na graduação. Frequentemente, vejo colegas “prescrevendo dietas” para amigos
e familiares ainda como estudantes, ou a opinando sobre condutas nutricionais nas redes
sociais de forma leviana. Esse tipo de atitude enfraquece nossa credibilidade como categoria e
pode trazer consequências sérias. Fica evidente para mim que ser nutricionista é mais do que
estudar alimentos e elaborar planos alimentares: é assumir uma postura ética desde a
formação, com compromisso com a verdade e o cuidado individualizado. É lutar para que a
Nutrição continue sendo reconhecida como ciência, e não como vitrine de interesses
comerciais.
Um caso emblemático que ilustra a importância da ética na Nutrição envolve a influenciadora
digital Maíra Cardi. Ela promove programas de emagrecimento e oferece orientações
alimentares através de suas redes sociais e plataformas online, onde acumula cerca de 9
milhões de seguidores, alegando atuar como "coach". No entanto, suas atividades têm sido alvo
de críticas e denúncias por parte de profissionais da área, que apontam a prática como exercício
ilegal da profissão de nutricionista. Em 2016, o Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª Região
(CRN-3), sediado em São Paulo, informou que Mayra não é nutricionista e, portanto, não está
habilitada a exercer atividades privativas da profissão no Brasil. Apesar de ter realizado cursos
técnicos de nutrição nos Estados Unidos, ela não possui registro no CFN ou em qualquer CRN,
o que é exigido por lei para o exercício da profissão no país.
Com base nesse e em diversos casos semelhantes, seguindo o raciocínio dos debates em aula,
é impossível não refletir sobre o quanto é desafiador ser um profissional ético em um mercado
que justamente as condutas antiéticas são as que mais ganham visibilidade, engajamento e
lucro. Enquanto nutricionistas comprometidos enfrentam limitações e buscam atuar com
responsabilidade, figuras públicas sem formação ou registro, constroem impérios financeiros
vendendo promessas milagrosas e práticas perigosas, muitas vezes impunes. Essa distorção de
valores gera um sentimento frustrante de que “seguir as regras” nos coloca em desvantagem,
como se ética fosse um obstáculo, e não um princípio básico. Parece até que o sistema
recompensa quem ultrapassa os limites, o que pode enfraquecer o senso coletivo de
compromisso com a saúde pública. Ainda assim, acredito que permanecer ética em meio ao
caos é um ato de resistência, e que construir uma reputação sólida, mesmo que mais lenta, é a
forma mais duradoura e digna de exercer nossa profissão.
CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS. Código de ética e de conduta do nutricionista.
Resolução CFN nº 599, de 25 de fevereiro de 2018. Brasília, DF: CFN, 2018. Disponível em:
https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/resolucoes/Res_599_2018.htm.
CONSELHOS REGIONAIS DE NUTRICIONISTAS. Guia de princípios de ética e conduta para
acadêmicos de Nutrição. 1. ed. Brasília, DF: CRN, 2021. Disponível em:
https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Guia-do-Estudante-de-Nutricao.pdf.
SANAR SAÚDE. Conselho de Nutrição diz que Mayra Cardi não pode exercer a profissão. Sanar
Saúde, 2021. Disponível em: https://www.sanarsaude.com/portal/residencias/artigosnoticias/conselho-de-nutricao-diz-que-mayra-cardi-nao-pode-exercer-a-profissao.
Nesta aula, realizada em formato EAD, assistimos ao vídeo “Ética Alimentar com Peter Singer”
e elaboramos um estudo dirigido individual, que propunha reflexões sobre temas como
especismo, abate humanizado e a própria ideia de que comer é uma questão ética. Singer é um
dos principais nomes da filosofia moral contemporânea e defende que nossas escolhas
alimentares têm implicações profundas não só para os animais, mas para o planeta e para as
pessoas. A seguir, apresento os principais pontos discutidos e outras conexões com o tema.
Parafraseando as respostas para as perguntas do estudo dirigido em anexo, trouxe os
principais pontos abordados nesta aula.
Segundo Peter Singer, especismo é a atitude de preconceito contra seres, alegando que eles não
são membros da nossa espécie e, por isso, temos o direito de usá-los da maneira que nos
convém, mesmo sendo claramente prejudiciais a eles. O termo sugere paralelos com o racismo
e o sexismo, atitudes que também são baseadas em discriminação injustificada. Singer afirma
que é errado deixar de considerar os interesses de um ser apenas porque ele não é humano. Se
um ser é consciente e sofre, devemos pensar nisso como algo ruim, independentemente da
espécie.
O abate humanizado é a prática em que os animais são atordoados antes de serem mortos para
amenizar seu sofrimento, mas Singer questiona se é realmente ético matar um animal que quer
viver apenas por prazer ou conveniência. Para ele, os produtores consideram o sofrimento dos
animais apenas quando isso interfere no lucro.
O vídeo também destaca os problemas ambientais gerados pelo consumo de carne. As
emissões de gases de efeito estufa da pecuária superam as do setor de transportes,
especialmente no caso do gado, por conta do metano. Além disso, há impactos como o
desmatamento da Amazônia, uso excessivo de água e poluição por dejetos e antibióticos.
Alimentar animais com grãos e soja exige muito mais recursos do que alimentar diretamente
humanos com esses alimentos, tornando o sistema ineficiente e insustentável a longo prazo.
Singer mostra também como o consumo de carne pode aumentar a pobreza: mudanças
climáticas causadas por esse consumo alteram os padrões de precipitação e elevam o nível do
mar, prejudicando as populações mais pobres que dependem da agricultura. Além disso, os
alimentos usados para alimentar animais poderiam ser usados para combater a fome. O
sistema atual desperdiça valor nutricional e aumenta o preço dos alimentos, tornando o acesso
à comida ainda mais difícil para quem mais precisa.
Outro ponto discutido é o comércio justo (Fair Trade), um movimento que busca garantir
remuneração adequada e condições dignas de trabalho para agricultores e trabalhadores em
países em desenvolvimento. O objetivo é romper com a lógica das grandes corporações que
exploram pequenos produtores, garantindo renda vital, segurança no trabalho e práticas
sustentáveis.
Por fim, o vídeo reforça que comer é uma questão ética. Nossas escolhas alimentares afetam
os animais, o meio ambiente e a justiça social. Singer defende que devemos refletir sobre essas
consequências e agir para evitar o sofrimento, mesmo que isso signifique ir contra os interesses
de mercado. Para ele, agir eticamente inclui pensar sobre o que comemos e buscar formas de
tornar o sistema alimentar mais justo. Me chamou atenção o fato de o filosofo não impor a dieta
vegana, mas propor uma transição gradual e consciente, valorizando pequenas mudanças
como a redução do consumo de carne. Essa abordagem realista torna o debate mais acessível
e convida todos a refletirem sobre seu papel nas transformações alimentares.
Assistir ao vídeo de Peter Singer me levou a uma reflexão profunda sobre as contradições entre
o que comemos e os valores que acreditamos defender. A fala dele me tirou do lugar confortável
de ver a alimentação apenas como escolha pessoal, mostrando que ela carrega implicações
morais reais. Fiquei especialmente impactada com o conceito de especismo, pois nunca tinha
pensado de forma tão clara sobre como a nossa cultura “naturaliza” o sofrimento animal em
nome do prazer, da conveniência ou do lucro.
A aula me fez pensar que, como futura nutricionista, tenho uma responsabilidade não apenas
com os indivíduos, mas com sistemas inteiros. Ética alimentar não é sobre evitar açúcar ou
gordura, é entender quem produz, quem sofre, quem lucra, e quem é excluído. É pensar se o que
está no seu prato constrói um mundo mais justo ou mais desigual. E, mais do que tudo, é
reconhecer que mesmo pequenas escolhas alimentares são, na verdade, decisões políticas.
No meu cotidiano, percebo como a questão ética na alimentação é invisibilizada, mesmo nos
espaços acadêmicos. Raramente discutimos o impacto ecológico e social da dieta que
prescrevemos em cadeiras clínicas. Ao mesmo tempo, noto que muitas pessoas, inclusive da
área da saúde, consideram exagero ou “militância vegana” qualquer crítica à produção animal.
Isso reforça o que Singer menciona sobre a dificuldade de atuar eticamente num mercado onde
a ética não é a regra. Isso ecoa também na Nutrição: profissionais que tentam propor mudanças
estruturais encontram resistência tanto de empresas quanto de colegas.
Essa reflexão também encontrou eco na minha vida pessoal. Minha irmã é vegetariana há 8 anos
e, apesar de manter essa decisão com firmeza, ela convive com a incompreensão frequente do
nosso pai, que insiste em oferecer carne para ela nos churrascos de domingo. Essa situação,
que pode parecer banal para quem vê de fora, sempre me chamou atenção porque revela como
decisões alimentares éticas ainda são vistas como "capricho" ou "rebeldia", mesmo dentro de
casa. Conviver com ela me fez questionar meus próprios hábitos e perceber que é possível fazer
escolhas mais conscientes, sem precisar ter carne em todas as refeições. Esse tipo de
convivência se torna um espaço importante de debate, troca e aprendizado, e foi fundamental
para ampliar minha consciência alimentar. Gostaria que todos tivessem essa oportunidade e
para isso precisamos incentivar conversas sobre essa temática.
Uma reportagem recente publicada pelo The Guardian mostra que grandes frigoríficos, como
JBS e Marfrig, seguem ligados ao desmatamento ilegal na Amazônia, apesar de firmarem
compromissos ambientais. A investigação revelou que a cadeia produtiva da carne continua a
empregar práticas predatórias, afetando povos indígenas e acelerando a crise climática. Essa
notícia exemplifica, na prática, o que Singer denuncia no vídeo: um sistema baseado no lucro,
que ignora o sofrimento e destrói o planeta em nome da produtividade.
Outro exemplo vem do documentário Cowspiracy: O Segredo da Sustentabilidade (2014),
disponível na Netflix, que aborda como a pecuária é uma das principais causas de degradação
ambiental, enquanto governos e organizações evitam confrontar esse dado. Assim como Singer,
o filme denuncia o silêncio institucional e a dificuldade de trazer ética para o centro do debate
alimentar.
Cabe ressaltar aqui que o próprio Guia Alimentar para a População Brasileira (2014) menciona
que escolhas alimentares devem considerar sustentabilidade e impacto ambiental, o que é
coerente com a ideia de que comer é uma ação ética.
SINGER, Peter. Ética Alimentar. [YouTube], 2015. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=lrzEKcBdHoU
THE GUARDIAN. Brazil’s meat giants linked to illegal Amazon deforestation despite pledges.
The Guardian, 2023. Disponível em:
https://www.theguardian.com/environment/2023/jun/29/brazil-meat-deforestation-jbsmarfrig.
ANDERSEN, Kip (Dir.). Cowspiracy: The Sustainability Secret. [Filme]. Netflix: A.U.M. Films &
Media, 2014.
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, DF:
MS, 2014. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf.
AULA 5 : Ética alimentar e mudanças climáticas
Infelizmente, neste dia eu não pude comparecer à aula presencial devido a um quadro de
gastroenterite. No entanto, explorei cuidadosamente os materiais indicados e outras leituras
complementares para elaborar esta parte do portfólio. A aula propôs uma reflexão sobre o papel
do nutricionista diante da crise climática, a partir de uma perspectiva ética. Fomos provocados
a pensar sobre a dimensão coletiva das nossas escolhas alimentares e o impacto que elas
causam em escala planetária.
TEORIA
A relação entre alimentação e mudanças climáticas é uma das questões mais urgentes do
século XXI. A aula propôs refletir sobre o papel do nutricionista diante da crise global, partindo
do princípio de que nossas escolhas alimentares não afetam apenas o corpo individual, mas
também os sistemas ecológicos e sociais. O principal eixo gira em torno da ideia de que comer
é, também, um ato político e ético, como já mencionei aqui anteriormente, e agir eticamente
envolve considerar o impacto das nossas decisões sobre o mundo e sobre os outros seres,
humanos ou não-humanos.
A produção de alimentos, especialmente de origem animal e ultraprocessados, está entre os
principais vetores de emissão de gases de efeito estufa, degradação ambiental e perda da
biodiversidade. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), pelo
menos um terço da produção mundial de alimentos está em risco devido aos efeitos do
aquecimento global. A alimentação moderna, baseada em cadeias produtivas longas,
industrializadas e centradas na proteína animal, é responsável por cerca de 30% das emissões
globais de gases de efeito estufa, sendo a pecuária o setor que mais contribui, segundo a EATLancet. No Brasil, esse número ultrapassa 70%, principalmente devido ao desmatamento e ao
uso intensivo de agrotóxicos associados ao agronegócio.
O relatório da The Lancet Commission on the Global Syndemic aprofunda essa discussão ao
propor o conceito de “sindemia global”, ou seja, a sobreposição das pandemias de obesidade,
desnutrição e mudanças climáticas. Essas três crises compartilham causas estruturais
comuns, como um sistema alimentar voltado ao lucro, à produção em larga escala e ao
consumo de ultraprocessados. A Comissão argumenta que essas crises precisam ser
enfrentadas de forma integrada, por meio de ações chamadas double duty e triple duty, que
geram impacto positivo simultâneo em mais de uma dimensão (saúde, ambiente, equidade).
Dentro desse cenário, a função ética do nutricionista se amplia. Não basta orientar sobre
calorias, macronutrientes ou dietas individualizadas: é preciso considerar o impacto ecológico
das recomendações. Segundo o relatório, isso implica repensar o conceito de “alimentação
saudável” de forma planetária, incorporando sustentabilidade ambiental, justiça social e saúde
coletiva. A atuação ética passa a incluir o combate aos desperdícios, a valorização de cadeias
curtas e justas (como a agricultura familiar) e a defesa de políticas públicas que limitem a
atuação predatória das indústrias alimentícias
A Comissão EAT-Lancet, por sua vez, propõe uma transformação radical no sistema alimentar
até 2050. Ela define uma dieta de saúde planetária que propõe dobrar o consumo de vegetais,
leguminosas e castanhas, enquanto alimentos como carne vermelha e açúcar devem ser
reduzidos em mais de 50%. Essa proposta se fundamenta em evidências científicas de que
padrões alimentares baseados em vegetais são simultaneamente melhores para a saúde
humana e para a estabilidade ecológica. Essa perspectiva dialoga com o conceito de
“universalidade moral”, que nos pergunta: “Como seria se todos fizessem como eu?”. O que
escolhemos comer, o quanto desperdiçamos e de que forma consumimos impacta diretamente
no mundo que vivemos. Se todos mantivessem uma dieta baseada em ultraprocessados e carne
bovina diariamente, o planeta colapsaria. O mantra é: “se afeta os outros, não é só assunto
meu”.
Por fim, a ideia de que o nutricionista pode ser um agente de ecoética fica evidente. Eu considero
que a principal responsabilidade ética do nutricionista frente às mudanças climáticas é atuar
como articulador entre saúde e justiça socioambiental. Isso significa educar, prescrever e
planejar ações alimentares com base em princípios sustentáveis, sem perder de vista os
determinantes sociais e as desigualdades de acesso à alimentação. Além disso, das cinco
estratégias propostas no relatório EAT-Lancet eu considero mais importante a redefinição do
que é uma dieta saudável, tendo em vista seu impacto ambiental e social. Ou seja, o conceito
de saúde não pode mais estar separado da sustentabilidade planetária e isso exige reformular
diretrizes, práticas clínicas e políticas públicas. Essa mudança de geral é essencial para garantir
segurança alimentar sem ultrapassar os limites ecológicos do planeta.
PERCEPÇÃO PESSOAL
Essa aula me despertou um incômodo necessário. Eu pude ver com clareza o quanto nossas
escolhas alimentares estão conectadas a algo muito maior do que nutrição, saúde ou estética.
Nossas decisões alimentares não afetam apenas o nosso corpo, mas também o planeta e outras
vidas, humanas ou não-humanas. Pensar que o que comemos interfere diretamente até na
violação de direitos humanos de populações tradicionais e trabalhadores rurais me marcou
bastante. Isso me deixa incomodada e reflexiva: muitos seguem tratando alimentação como
uma questão meramente “individual”, quando, na verdade, ela é profundamente coletiva.
Refletir sobre isso me fez perceber que, sim, a ação de cada um importa! Contudo, ter essa
consciência pode ser cansativa... Falar sobre impacto ambiental no churrasco da família ou
círculo de amigos, recusar carne em eventos sociais, questionar o uso excessivo de plástico ou
sugerir mudanças no cardápio pensando em sustentabilidade te coloca no lugar de "exagerada".
Só que, honestamente, ser "ecochato" se tornou necessário. Alguém precisa ser o lembrete
constante de que estamos em colapso! O mercado, os governos e a indústria preferem o silêncio
confortável da conveniência. É frustrante, porque muitas vezes parece que a responsabilidade
de salvar o planeta recai sobre o indivíduo, enquanto quem realmente precisa mudar, não se
move. A pecuária, as grandes indústrias de ultraprocessados, o agronegócio predatório e focado
no lucro... esses atores são os que concentram poder real, definem políticas públicas e moldam
comportamentos através da propaganda e da disponibilidade alimentar. E mesmo assim,
seguem impunes, lucrando com a destruição.
Apesar disso, acredito que discutir essas questões nos nossos espaços de convivência, em
casa, na universidade, nas redes sociais, é fundamental. Porque toda transformação estrutural
começa com mudança cultural. Quando falamos sobre o impacto das dietas, mostramos que
existe um outro caminho possível. Mesmo que isso não mude tudo de imediato, muda o entorno,
muda percepções, planta sementes. Como futura nutricionista, não quero apenas entregar uma
dieta calculada em calorias. Quero construir, junto com o paciente, uma visão crítica sobre o
que ele come, por que come e o que essa escolha gera no mundo. Isso também é cuidado. Ser
"eco chata" pode ser cansativo, mas é um ato de resistência. E se a minha profissão me dá voz,
quero usá-la para incomodar quando for necessário.
MATERIAL EXTERNO
Eu acredito que traduzir essas questões para o cotidiano e sensibilizar o público é uma ótima
forma de trazer essa temática à tona. Cabe relembrar aqui do material externo referenciado na
aula anterior, o documentário “Cowspiracy: The Sustainability Secret” (2014), que mostra como
o consumo individual está ligado a essa cadeia destrutiva, mas também o quanto a indústria se
beneficia do desconhecimento e da despolitização do consumidor.
Outra produção relevante é “O Dilema das Redes” (The Social Dilemma, 2020), que embora não
trate diretamente de alimentação, ajuda a compreender como a formação de hábitos, inclusive
alimentares, está hoje profundamente mediada por algoritmos e interesses comerciais. Ao
refletir sobre isso, podemos entender por que é tão difícil romper com padrões insustentáveis
de consumo: eles são promovidos, repetidos e naturalizados nas redes sociais, enquanto
discursos críticos são frequentemente marginalizados, como é o caso do ativismo ecológico.
Nesse sentido, é impossível ignorar a reportagem “Os verdadeiros coelhinhos da Páscoa”,
publicada pela revista Superinteressante, que revela a exploração de coelhos em campanhas
publicitárias, cosméticos e até para o entretenimento infantil. Apesar de parecer um tema
distante da alimentação, a matéria escancara como o sofrimento animal é sistematicamente
invisibilizado: seja pela embalagem fofa, pela linguagem neutra das propagandas ou pela
ausência de transparência das grandes marcas. A matéria denuncia como animais são tratados
como objetos descartáveis em nome de lucro, estética ou tradição. Essa lógica se repete de
forma ainda mais brutal no sistema alimentar, onde vacas, porcos, galinhas e tantos outros
seres sencientes são confinados, mutilados e mortos em escala industrial, sem que sequer
reconheçamos seus corpos como vidas. A crueldade animal não é exceção: ela é o
funcionamento padrão da agroindústria. E quanto mais barata e abundante a carne, o leite ou
os ovos, maior tende a ser o nível de sofrimento envolvido.
O mais perturbador é que, apesar de existirem alternativas, seguimos legitimando esse modelo
por hábito e conveniência. Quando evitamos pensar sobre a origem da nossa comida, estamos
também nos blindando do desconforto de perceber que a ética ali, foi totalmente excluída do
processo. Como sociedade, ainda tratamos o sofrimento animal como um “custo necessário”
e compactuamos com um sistema que naturaliza a violência como parte da nutrição. Por isso,
discutir crueldade animal no contexto da ética alimentar não é exagero, nem radicalismo, é
coerência. A mudança pode parecer difícil, mas o primeiro passo é enxergar. E é justamente por
isso que precisamos continuar falando sobre isso.
REFERÊNCIAS ABNT
BRASIL. Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC. Relatórios de Avaliação.
Disponível em: https://www.ipcc.ch/.
EAT-LANCET COMMISSION. Dietas saudáveis a partir de sistemas alimentares sustentáveis:
relatório sumário. 2019. Disponível em: https://eatforum.org/eat-lancet-commission/.
LANCET COMMISSION. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change:
The Lancet Commission report. The Lancet, v. 393, n. 10173, p. 791–846, jan. 2019. Disponível
em: https://www.thelancet.com/commissions/global-syndemic.
ANDERSEN, Kip; KUHN, Keegan. Cowspiracy: The Sustainability Secret. [S.l.]: A.U.M. Films,
2014. 1 vídeo (90 min), son., color.
ORESKES, Jeff; ORLONSKI, Vickie Curtis. The Social Dilemma. Direção de Jeff Orlowski. Estados
Unidos: Netflix, 2020. 1 vídeo (94 min), son., color.
CAMPOS, Bruno. Os verdadeiros coelhinhos da Páscoa. Superinteressante, 31 mar. 2023.
Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/os-verdadeiros-coelhinhos-da-pascoa/.
AULA 6: Ética alimentar e especismo
Nesta aula, nos despedimos da Prof.ª Renata, para iniciarmos o módulo da Prof.ª Raquel.
Recebemos o professor convidado, um filósofo, que nos conduziu em uma conversa aberta
sobre ética alimentar com foco no especismo. Como exposto aqui, a atividade anterior, em torno
do vídeo “Ética Alimentar com Peter Singer”, nos ambientou e construiu uma base para que
pudéssemos discutir sobre o assunto.
TEORIA
A ética alimentar envolve refletir sobre as implicações morais das escolhas alimentares que
fazemos diariamente. Um dos conceitos centrais discutidos na aula foi o especismo, termo
criado por Peter Singer para descrever a discriminação baseada na espécie. O especismo nos
faz considerar o sofrimento de animais como secundário em relação ao bem-estar humano,
mesmo sabendo que eles são seres sencientes, capazes de sentir dor, medo e prazer. Singer
argumenta que esse tipo de exclusão moral é semelhante a outras formas de discriminação,
como o racismo e o sexismo. Essa é uma comparação muito ilustrativa para entendermos o
cerne da questão, visto que é de senso comum que se repudie essas manifestações de
preconceito, mas não contra acontecem contra os animais.
A aula também discutiu como o sistema alimentar moderno contribui para a degradação
ambiental, o desperdício de recursos e a perpetuação/agravamento da pobreza, ao priorizar a
produção de proteína animal em detrimento de um uso mais eficiente e equitativo de grãos e
terras. A aula anterior sobre mudanças climáticas, também contribuiu para enriquecer esse
debate, visto que ao longo das semanas fomos ampliando nosso olhar sobre os impactos
sistêmicos da alimentação. Ao longo da aula foi se tornando cada vez mais evidente como o
consumo de produtos de origem animal afeta não só os animais, mas o equilíbrio ambiental do
planeta, e consequentemente, as vidas dos seres humanos. Essa relação entre ética alimentar,
crise climática e justiça social trouxe profundidade ao debate, nos fazendo perceber que
repensar o que comemos é também um ato político diante das crises do nosso tempo.
Ao final, cada grupo recebeu um caso para debater: o nosso tratava sobre a realização de
pesquisas médicas com animais e possíveis alternativas. Refletimos sobre até que ponto é ético
infligir dor a um ser vivo para buscar soluções de saúde que beneficiem apenas os humanos.
Pesquisas em animais é uma prática ainda amplamente utilizada na ciência, nos levando a
pensar sobre os limites entre o avanço do conhecimento e o respeito ao sofrimento animal.
Debater esse tema nos forçou a reconhecer que a ciência também precisa se submeter a
critérios éticos, e que, sob esse ponto de vista, o progresso verdadeiro é aquele que não ignora
os direitos de todos os seres vivos.
PERCEPÇÃO PESSOAL
Essa aula, em conjunto com as demais que englobam essa temática, me provocaram
profundamente. Já vinha há algum tempo reduzindo meu consumo de alimentos de origem
animal, influenciada pela minha irmã vegetariana, pelo conhecimento e consciência ambiental
que a faculdade de Nutrição nos proporciona e, principalmente, pela minha empatia com a
causa animal. Ouvir argumentos tão bem fundamentados sobre o sofrimento animal, a
destruição ambiental e o impacto social da pecuária me fizeram sentir preciso me aprofundar
mais nesse debate e como nosso padrão alimentar é insustentável sem essa reflexão.
Gostei especialmente de termos voltado nessa temática em uma aula presencial, porque o
debate ao vivo, com opiniões diversas, torna a reflexão muito mais produtiva e desafiadora. É no
confronto de ideias que conseguimos amadurecer nosso posicionamento e nos fortalecer para
mudanças reais, pude ver isso acontecer com a minha irmã quando ela decidiu parar de comer
carne. Essas conversas me fazem perceber que, embora não seja fácil, transformar a
alimentação é um ato político e de coerência com aquilo que acredito.
Manter uma alimentação vegetariana é um desafio, especialmente vivendo no Sul do Brasil,
onde os hábitos alimentares e as relações sociais giram fortemente em torno da carne. Ainda
assim, as aulas despertaram em mim um compromisso ético que não consigo mais ignorar.
Perceber que as minhas escolhas alimentares afetam diretamente o futuro do planeta, a fome e
até condições de trabalho de outras pessoas, é profundamente impactante.
MATERIAL EXTERNO
A aula me lembrou de uma visita que fizemos ao aviário da faculdade de Veterinária, no primeiro
semestre do curso, onde fomos confrontados por uma questão ética. Cabe lembrar que quem
estava nos acompanhando era uma Veterinária. Lembro de ter ficado muito abalada, dias
pensando nas condições daqueles animais: as galinhas eram mantidas em espaços muito
pequenos, dificultando que elas se movessem, empilhadas umas sobre as outras. Muitas
estavam com as patas fraturadas devido ao peso do próprio corpo e à falta de mobilidade.
Outras, por conta do estresse e a competição por recursos, arrancavam as próprias penas. Um
animal que poderia viver 10 anos, está pronto para o abate em apenas 40 dias, graças à
alimentação forçada e ao ciclo contínuo de luz artificial. Foi a primeira vez que vi de perto o que
significam os chamados “sistemas intensivos de produção animal”, e desde então essa imagem
me acompanha sempre que penso sobre consumo de carne.
Outra experiência que me marcou foi uma conversa com uma grande amiga que cursa
Veterinária na UFRGS. Ela comentou que os estudantes da área se dividem, de forma bem
perceptível, entre dois perfis: os que entram por amor e empatia aos animais, e os que entram
pensando no lucro, voltados à pecuária e produção intensiva. Essa dicotomia mostra o quanto
ainda precisamos debater a ética no uso de animais dentro das próprias profissões que
deveriam proteger seu bem-estar, e a Nutrição está englobada nisso. Quando pensamos apenas
na “protéina” e esquecemos de tudo que foi necessário para que ela chegasse até o prato e que
na verdade se trata de um animal, precisamos repensar na nossa conduta ética e tentar nos
desvincular e ir além do padrão carnívoro e destruidor da indústria alimentícia, formada por
profissionais predatórios que visam apenas o lucro em detrimento do sofrimento.
Uma reportagem da BBC (“Why do children think meat comes from the store?”, 2021) mostrou
que muitas crianças pequenas não fazem a conexão entre o alimento e o animal, elas não sabem
que carne vem de vacas, porcos, peixes ou galinhas. Quando descobrem, muitas delas passam
a recusar esses alimentos por empatia, demonstrando que o impulso ético está presente desde
cedo, mas é silenciado com o tempo pela cultura dominante. Isso me faz pensar o quanto nossa
alimentação é moldada mais por hábitos e conveniências do que por escolhas conscientes.
REFERÊNCIAS ABNT
SINGER, Peter. Ética alimentar com Peter Singer. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=UhKcOoV0YcM.
BBC FUTURE. Why do many children not know where meat comes from? 2021. Disponível em:
https://www.bbc.com/future/article/20210701-why-do-many-children-not-know-where-meatcomes-from.
AULA 7: Teorias Morais
Nesta aula, tivemos nosso primeiro encontro com a professora Raquel,
abordando as principais teorias morais e discutindo como diferentes
correntes filosóficas podem influenciar posicionamentos contemporâneos. O exercício proposto após o entro presencial foi perguntar
como eu me posicionaria nos casos de final de vida abordados na aula, analisando os dilemas éticos.
A reflexão nos mostra que a moralidade exige argumentos consistentes e imparcialidade, muitas vezes
sufocados pela emoção e senso comum, em especial nessas situações extremas.
TEORIA
A aula focou em quatro grandes correntes da filosofia moral.
O relativismo moral afirma que não há verdades morais universais,
pois os códigos éticos variam entre culturas, o que pode levar a conflitos e à impossibilidade de crítica ética
entre sociedades. Já a ética das virtudes, inspirada em Aristóteles, foca nos traços de caráter que
tornam uma pessoa “boa”, sendo a ação correta aquela compatível com a virtude. A deontologia, por sua vez,
sustenta que existem deveres morais universais, como “não matar” ou
“respeitar o próximo”, independentemente das consequências. Por fim, o utilitarismo defende que a ação
moralmente correta é aquela que produz o maior saldo de felicidade possível, sendo as consequências mais
importantes que os meios. A aula nos levou a refletir que cada teoria oferece lentes diferentes para pensar
os mesmos dilemas, como os casos de final vida propostos para reflexão, mostrando que a moralidade
não é simples nem parece ser universal.
O relativismo moral parte do princípio de que o certo e o errado
são culturais, baseados em convicções e contextos individuais.
Nesse modelo, a decisão dos pais da bebê Theresa, que queriam doar os órgãos
da filha anencéfala ainda com batimentos cardíacos, pode ser vista como moralmente
válida dentro de sua visão de compaixão e utilidade. Isso vale também para os pais das gêmeas
Jodie e Mary, que rejeitaram a separação cirúrgica que salvaria uma e causaria a morte da outra,
conforme sua fé e valores familiares. No caso de Tracy, o pai que causou sua morte por compaixão
poderia ser julgado com mais empatia sob essa ótica.
A ética das virtudes pergunta: “que tipo de pessoa seria capaz de tomar uma decisão justa e corajosa?”
Aplicada à bebê Theresa, essa perspectiva talvez valorizasse a generosidade dos pais,
dispostos a aliviar o sofrimento de outros. No caso das gêmeas, a virtude da prudência exigiria
ponderar se viver com culpa é mais suportável do que não tentar salvar pelo menos uma das filhas.
E com relação à Tracy, a ética das virtudes nos impede de concluir imediatamente se o ato do pai foi
certo ou errado, pensando que ele foi nobre e corajosoem terminar com o sofrimento da filha.
Essa teoria nos desafia a pensar além das regras ou dos cálculos:
o foco é o caráter moral e a intenção envolvida.
A deontologia argumentaria que é errado usar um ser humano apenas como meio para um fim,
mesmo com boas intenções. Assim, no caso da bebê Theresa, retirar os órgãos
ainda com sinais vitais violaria o princípio do respeito à vida. Para Jodie e Mary,
a deontologia não autorizaria sacrificar uma criança, mesmo que o resultado fosse salvar uma vida.
E, sobre Tracy, a morte causada pelo pai seria vista como uma violação do dever absoluto de não matar.
Essa abordagem é útil por proteger direitos e limitar viéses, mas pode parecer insensível
em situações de sofrimento extremo.
O utilitarismo busca maximizar o bem-estar geral.
Doar os órgãos da bebê Theresa para salvar outras crianças pareceria a escolha correta,
pois resultaria em maior benefício coletivo. Separar Jodie e Mary, mesmo causando a morte de uma,
seria justificado pela chance real de vida da irmã, aumentando o saldo de felicidade. No caso de Tracy,
se ela vivia em um estado de sofrimento irreversível, e sua família também estava em angústia pela situação,
o utilitarismo poderia enxergar o ato do pai como uma forma de reduzir o sofrimento total.
Essa perspectiva é mais sensível às consequências, mas os direitos individuais
são colocados em segundo plano.
Essas quatro teorias mostram que não há respostas fáceis, certas ou erradas quando o assunto é vida e morte.
É interessante que, ao confrontar esses dilemas éticos, desenvolvemos nossa capacidade de pensar criticamente,
com empatia e responsabilidade ao próximo.
PERCEPÇÃO PESSOAL
Essas reflexões me despertaram sentimentos profundos, porque me colocaram no lugar de quem está
em sofrimento extremo, dependente, ou diante de decisões impossíveis. Sinceramente,
eu não gostaria de ser mantida viva em uma cama, sem conseguir realizar minhas necessidades básicas sozinha,
sem poder fazer minhas próprias escolhas, sentindo que sou um fardo para as pessoas que amo.
A ideia de continuar vivendo sem autonomia ou dignidade me assusta mais do que a morte em si.
O caso de Freud me fez chegar à conclusão de que sou favorável à eutanásia em contextos de doença terminal
e dor insuportável, desde que haja consentimento e apoio médico, como ocorreu.
Para mim, prolongar uma vida contra a vontade do paciente, apenas por "ético”,
pode ser mais cruel do que permitir um fim digno. Já no caso das gêmeas Jodie e Mary,
me parece mais correto salvar ao menos uma vida do que viver com a culpa de nunca saber
como teria sido se tivesse escolhido diferente. É um dilema em que qualquer decisão é dolorosa,
mas entendo que a chance de uma das meninas ter uma boa vida deve ser considerada,
tendo em vista que ambas viriam à óbito. Por fim, o caso da Tracy é o mais difícil para mim.
Apesar da empatia com o sofrimento da família, sou contrária à ideia de que a deficiência
justifique a eutanásia sem consentimento. Isso abre um precedente perigoso para vidas
serem avaliadas por critérios de “qualidade”, e não pela dignidade de direito,
possivelmente se estendendo a idosos e outros públicos.
Quando se trata de crianças, a situação se torna ainda mais complexa,
porque elas ainda não têm autonomia para decidir. Isso me faz pensar também na questão do aborto,
que envolve debates éticos parecidos. Ainda assim, acredito que ele deve ser legalizado
dentro dos marcos da saúde pública, porque forçar alguém a seguir com uma gestação indesejada,
muitas vezes em contextos de violência ou vulnerabilidade, também é uma forma de sofrimento.
A ética, nesse caso, deve olhar para o cuidado com quem já existe, para o bem-estar da pessoa que carrega
esse corpo, e não apenas para ideias abstratas sobre o início da vida de alguém que nem veio ao mundo.
Esses temas não são fáceis, mas acredito que o respeito à autonomia, à dignidade e à realidade
de quem vive a dor deve sempre estar no centro da discussão.
MATERIAL EXTERNO
O debate sobre eutanásia entrou em pauta no Brasil com o caso da jovem de 28 anos diagnosticada com neuropatia
do nervo pudendo, condição rara e extremamente dolorosa, dita por ela como “a pior dor do mundo”.
Sem encontrar alívio no sistema de saúde brasileiro, e com sua condição física afetando sua saúde mental,
ela decidiu solicitar a eutanásia na Suíça, onde a prática é permitida sob critérios rigorosos.
O caso gerou sentimentos divergentes: polêmica, comoção e reflexão sobre como o sofrimento extremo,
mesmo sem risco imediato de morte, pode justificar eticamente o direito de decidir sobre o próprio fim.
Esse exemplo evidencia a lacuna de políticas públicas no Brasil para lidar com casos de sofrimento crônico,
além de reforçar a importância da autonomia. Mostra também como a ausência de regulamentação da eutanásia
no país priva pacientes de decisões conscientes e dignas sobre seu próprio corpo e futuro,
semelhante ao que ocorre com o aborto.
O debate sobre o aborto e eutanásia segue sendo atravessado por uma lógica punitivista e moralista no Brasil.
Especialmente quando se trata do aborto, a criminalização não reduz sua prática, apenas empurra mulheres
para situações de risco. Países como Portugal e Uruguai, que legalizaram o aborto, registraram queda nas
complicações de saúde materna e aumento no acesso a métodos contraceptivos, o que mostra que a legalização
é também uma política de saúde pública baseada no cuidado e da equidade.
REFERÊNCIAS ABNT
G1. Jovem brasileira com "pior dor do mundo" vai à Suíça pedir eutanásia: entenda o caso. G1, 17 jun. 2024.
Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2024/06/17/jovem-brasileira-com-pior-dor-do-mundo-vai-a-suica-pedir-eutanasia-entenda-o-caso.ghtml.
BBC News Brasil. Como a legalização do aborto mudou a vida das mulheres em Portugal.
BBC News Brasil, 29 set. 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41437764.
AULA 8: Teorias Morais – Utilitarismo
Não pude estar presente nesta aula, mas realizei a leitura completa do texto “Uma defesa do utilitarismo”
e me embasei nas discussões da aula passada. A proposta da aula foi apresentar
e debater a teoria moral utilitarista.
TEORIA
O utilitarismo, segundo Jeremy Bentham e John Stuart Mill, diz que a moralidade de uma ação deve ser julgada
por sua capacidade de produzir o maior bem-estar possível para o maior número de pessoas.
Essa abordagem consequencialista coloca o sofrimento e o prazer no centro do julgamento moral:
uma ação correta é aquela que minimiza a dor e aumenta a felicidade.
A partir dessa perspectiva, o texto apresenta dois casos práticos: Freud, que solicitou e recebeu eutanásia
ativa para encerrar seu sofrimento causado por um câncer incurável, e o da legalização da maconha,
debatida como uma política pública com potencial para gerar bem-estar coletivo e reduzir danos.
Sob o olhar utilitarista, a decisão médica de atender ao pedido de Freud é moralmente justificável,
pois reduziu sofrimento em uma situação sem cura, promovendo dignidade no final da vida.
Já a legalização da maconha é aceita como moralmente legítima se seus efeitos positivos,
como controle de uso, redução da criminalidade e benefícios terapêuticos, superarem os riscos envolvidos.
Essa teoria moral também implica que nenhuma ação é absolutamente certa ou errada fora de seu contexto.
Um mesmo ato pode ser correto em uma situação e incorreto em outra, dependendo das consequências para
o bem-estar coletivo. Essa flexibilidade faz com que o utilitarismo seja uma ferramenta poderosa,
especialmente em dilemas éticos complexos, como decisões de políticas públicas, saúde coletiva e justiça social.
PERCEPÇÃO PESSOAL
Achei a teoria utilitarista muito desafiadora. Ela nos tira do conforto de pensar a moral em termos fixos
ou individuais e nos convida a refletir sobre as consequências reais de nossas escolhas.
No caso de Freud, por exemplo, fiquei pensando que, se estivesse em seu lugar, talvez também desejasse poder
escolher o fim da minha vida. Não me parece justo obrigar alguém a suportar um sofrimento físico e
existencial extremo apenas por princípios abstratos.
O utilitarismo oferece uma lente que respeita a dor e prioriza a compaixão.
Muitas vezes, o debate sobre a legalização da maconha é tomado por preconceitos morais em uma ótima
individualista de certo ou errado, e dados reais são esquecidos. A criminalização de uma substância que
há potencial terapêutico, há evidências de que o uso controlado é mais seguro do que a proibição, e há um
impacto social muito desigual da guerra às drogas só amplifica um problema já existente. Uma abordagem
utilitarista ajuda a despolarizar o debate e focar no que realmente importa: o bem-estar coletivo.
MATERIAL EXTERNO
Um caso que se alinha ao debate utilitarista é o da descriminalização da maconha no Uruguai,
que foi o primeiro país do mundo a legalizar completamente a produção, venda e consumo da substância, em 2013.
A política pública teve como objetivo não apenas garantir liberdades individuais, mas reduzir os danos sociais
causados pela guerra às drogas, como o encarceramento em massa, o fortalecimento de organizações criminosas e a
violência urbana. Após a implementação da lei, o país apresentou queda nas apreensões ilegais, redução
do consumo entre adolescentes e melhora na rastreabilidade da droga, reforçando que os benefícios coletivos
superaram seus riscos, de acordo com o pensamento utilitarista.
Outro exemplo interessante vem da área da saúde pública: a distribuição gratuita de seringas para usuários
de drogas injetáveis, prática adotada em diversos países como Canadá, Austrália e partes do Brasil.
Apesar da controvérsia inicial, essas políticas se mostraram altamente eficazes na redução da transmissão
de HIV e hepatites, além de possibilitarem maior aproximação desses indivíduos com serviços de saúde e
assistência. Sob uma ótica utilitarista, mesmo que o uso de drogas continue sendo uma questão delicada,
oferecer condições mais seguras reduz danos à saúde pública e protege vidas.
Por fim, a proposta de taxação de grandes fortunas também encontra explicação dentro da lógica utilitarista.
A desigualdade social extrema compromete a equidade e agrava problemas como fome, violência e falta de acesso
a serviços essenciais. Países com políticas fiscais mais justas (como os nórdicos) conseguem promover
educação pública de qualidade, sistemas universais de saúde e segurança alimentar, beneficiando um número
muito maior de pessoas do que os poucos indivíduos afetados pelas taxações.
Assim, mesmo que haja algum desconforto por parte dos mais ricos, o saldo geral é positivo para a sociedade.
REFERÊNCIAS ABNT
SINGER, Peter. Uma defesa do utilitarismo.
OXFAM BRASIL. Taxar os super-ricos: uma proposta para combater a desigualdade no Brasil.
São Paulo: Oxfam Brasil, 2023. Disponível em: https://www.oxfam.org.br.
AULA 9 e 10: Preconceitos morais - racismo, alimentação e nutrição
Nas aulas 9 e 10, discutimos como o racismo atravessa a alimentação e a saúde no Brasil.
A aula EAD incluiu um estudo dirigido que nos levou a refletir sobre as dimensões do racismo
(interpessoal, institucional e estrutural) e seus impactos na saúde da população negra.
Já na aula presencial, que não pude comparecer, os materiais apresentados aprofundaram
a discussão sobre como o racismo molda o acesso à alimentação adequada e ao cuidado em saúde.
As evidências discutidas mostram que a desigualdade racial não é um problema isolado,
mas estruturante e constantemente reproduzido em todos os níveis da sociedade.
TEORIA
O racismo afeta a alimentação e a saúde da população negra de maneira complexa e profunda.
Ele se expressa em três níveis: interpessoal, por meio de discriminações cotidianas; institucional,
por meio de falhas nos serviços públicos que deveriam atender igualmente a todos; e estrutural,
que representa um sistema organizado para manter privilégios brancos e desvantagens para os grupos racializados.
Esses três níveis não são excludentes, mas se retroalimentam.
Os estudos apresentados na aula evidenciam como a obesidade, por exemplo, é mais prevalente entre mulheres negras,
não apenas por fatores individuais, mas por um sistema de exclusão social que dificulta o acesso a
alimentação adequada, saúde preventiva, tempo de autocuidado e espaços seguros para prática de atividade física.
Outro ponto importante discutido foi a interseccionalidade, que mostra como raça, classe, gênero e outros
determinantes se cruzam e geram efeitos específicos. A saúde de uma mulher negra periférica, por exemplo,
não pode ser compreendida apenas pela sua renda ou cor de pele de forma isolada, mas sim pela junção desses fatores.
A análise da produção científica e das políticas públicas mostra um cenário preocupante que se perpetua a décadas:
o racismo ainda é invisibilizado nas estratégias de combate à obesidade e à insegurança alimentar.
Poucos documentos incorporam raça/cor como determinante social, demonstrando pouco conhecimento
ou interesse por essa pauta que nitidamente reflete na saúde de uma população majoritariamente preta ou parda.
PERCEPÇÃO PESSOAL
Essa aula me fez refletir sobre como o racismo se manifesta de maneira silenciosa e contínua nas estruturas
que regulam o acesso à saúde e à alimentação. Como nutricionistas, muitas vezes somos treinadas para pensar
em termos de comportamento individual: o que o paciente come, o que ele “escolhe”. Mas essas aulas escancaram
que a escolha, para muitos, não é uma possibilidade real. Não há como recomendar frutas e legumes
frescos para quem vive em regiões sem feira, sem tempo ou sem dinheiro. Não há como promover
“autonomia alimentar” sem antes garantir o mínimo de equidade social.
Me marcou muito a discussão sobre a invisibilidade da saúde da mulher negra.
É uma realidade que pouco se fala e se estuda. Saber que mulheres negras apresentam piores indicadores de saúde,
enfrentam mais violência obstétrica, e ainda assim continuam sendo excluídas da produção científica e dos currículos
acadêmicos, reforça o quanto ainda precisamos caminhar para que a saúde seja comprometida com a justiça social.
Também considero essencial que esse tipo de debate aconteça dentro de uma universidade pública como a UFRGS,
especialmente em cursos como o de Nutrição, onde ainda vemos pouquíssimos estudantes negros. É impossível não
pensar no quanto o acesso e a permanência de pessoas negras na graduação ainda é dificultado, mesmo com as ações
afirmativas, por múltiplas barreiras, como a necessidade de trabalhar desde cedo e a ausência de políticas
efetivas de apoio. Imagino como deve ser difícil atravessar a universidade sem se enxergar nos corredores,
nos espaços de saúde, nos livros didáticos. Felizmente, mesmo que a passos lentos, essas presenças estão se
ampliando. O que me entristece é que esse debate, na maioria das vezes, ainda recai sobre os próprios negros:
são eles que estudam, que falam, que denunciam. Falta interesse e escuta por parte dos brancos. Enquanto o
racismo for tratado como um problema “de minoria”, e não como um sistema que beneficia e silencia, vamos
continuar naturalizando exclusões que deveriam indignar a todos.
Como futura nutricionista, meu papel é ir além da prescrição alimentar.
Precisamos reconhecer o racismo como um determinante social da saúde, visibilizar seus
efeitos nos nossos atendimentos clínicos e exigir políticas públicas que enfrentem essas desigualdades de
maneira estruturada. Isso passa por atuar com sensibilidade cultural, por questionar padrões eurocêntricos
de “alimentação ideal”, e por dar protagonismo às culturas alimentares historicamente marginalizadas.
MATERIAL EXTERNO
O documentário Estômago Vazio, exibido pelo Canal Futura, evidencia com sensibilidade como a fome no Brasil tem cor,
gênero e território. As histórias compartilhadas por mulheres negras, moradoras das periferias,
mostram que a insegurança alimentar não é apenas uma questão de renda, mas resultado de um histórico de desigualdades estruturais.
O filme explicita como o racismo atravessa o consumo alimentar: da ausência de políticas públicas eficazes
à negligência com a produção e oferta de alimentos saudáveis nas periferias. Assistir ao documentário reforça
a importância de olhar para a alimentação como direito e denunciar o
racismo como um dos principais fatores que impedem sua efetivação.
Já a reportagem “Nutricionistas negras relatam racismo no trabalho”, publicada pela revista Claudia,
traz à tona o cotidiano de discriminação vivido por profissionais negras da nossa própria área.
São relatos de desconfiança, silenciamento e falta de oportunidades que mostram como o racismo também
atua dentro da Nutrição, desde a formação acadêmica até o exercício profissional. Uma nutricionista
entrevistada menciona que muitas vezes é a única mulher negra nos congressos e que suas pautas são
tratadas como "militância exagerada". Isso me tocou profundamente, porque evidencia como a luta
antirracista precisa ser coletiva e não pode continuar sendo só de quem sente na pele. Como aluna
de uma universidade pública majoritariamente branca, onde poucos alunos negros conseguem se manter até o
final do curso, é urgente que nos coloquemos ao lado da equidade, com escuta ativa, reconhecimento de
privilégios e disposição para mudar estruturas.
As políticas de cotas raciais nas universidades são uma ferramenta essencial para combater o racismo
estrutural e promover uma reparação mínima diante de uma dívida histórica que o Brasil ainda não pagou.
É evidente que a exclusão da população negra dos espaços de poder e saber não aconteceu por acaso,
mas é fruto de séculos de escravidão e marginalização sistemática. As cotas, nesse sentido, não são privilégios,
mas uma tentativa de corrigir desigualdades profundamente enraizadas. Sua efetividade está comprovada:
estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que as cotas aumentaram significativamente
a presença de estudantes negros nas universidades públicas, sem prejuízo da qualidade do ensino.
Defender a manutenção dessas políticas é reconhecer que a equidade ainda não
foi alcançada e que o acesso à educação e à saúde não pode mais ser adiado.
ESTUDO DIRIGIDO
ESTUDO DIRIGIDO PDF
REFERÊNCIAS ABNT
CANAL FUTURA. Estômago vazio. Documentário. São Paulo: Canal Futura, 2023. Disponível em: https://canalfutura.globo.com/programas/estomago-vazio/.
SILVA, Ana. Nutricionistas negras relatam racismo no trabalho. Revista Claudia, São Paulo, 15 mar. 2024.
Disponível em: https://claudia.abril.com.br/saude/nutricionistas-negras-racismo-trabalho/.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Ações afirmativas no Brasil: experiências recentes.
Brasília: Ipea, 2018. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=32861&Itemid=1.
AULA 11: Preconceitos morais - saúde da população LGBTQIA+ e a nutrição
TEORIA
A saúde da população LGBTQIA+ é marcada por profundas desigualdades, muitas vezes invisibilizadas pelas normas
cis-heteronormativas que regem os espaços de cuidado. Preconceitos morais e estruturais afastam essa população
dos serviços de saúde, criando um ciclo de exclusão sustentado pelo desrespeito à identidade de gênero e falta
de preparo técnico e humano de profissionais. A aula apontou com clareza que as consequências desse cenário não
são apenas subjetivas: elas impactam metabolismo, o comportamento alimentar e acesso à alimentação adequada.
As especificidades da hormonização, os transtornos alimentares mais prevalentes, a insegurança alimentar
e os estigmas que cercam, por exemplo, pessoas vivendo com HIV, são aspectos clínicos que exigem conhecimento
técnico, mas, acima de tudo, empatia e escuta ativa.
O cuidado nutricional precisa ser compreendido como uma prática política. As diretrizes do SUS, o Código
de Ética do Nutricionista e os materiais desenvolvidos pelo CRN-1 apontam para a promoção do cuidado integral,
acolhedor e livre de discriminações. Isso implica reconhecer que avaliações antropométricas e bioquímicas
tradicionais podem ser inadequadas, que o uso do nome social e a validação da identidade de gênero não são
opcionais, e que a escuta ativa é parte indissociável da consulta nutricional.
Nesse parágrafo vou destacar os pontos que mais chamaram minha atenção. Primeiro, o aumento do risco de doenças
metabólicas e cardiovasculares nessa população por fatores como o uso de hormônios e o impacto do estresse
crônico, algo tão importante para conduta nutricional e que não é falado em com essa especificidade em nenhum
momento da graduação. Em segundo plano, a necessidade de adaptar práticas e condutas profissionais, como a
avaliação antropométrica e a comunicação durante o atendimento. Acredito que uma prática simples e eficaz
para garantir respeito e acolhimento é perguntar como a pessoa gostaria de ser chamada, independente do nome
que consta nos documentos. Por fim, o impacto transformador da escuta ativa, que pode não apenas melhorar o
cuidado individual, mas também romper com ciclos de exclusão histórica e fastamento nos espaços de saúde.
PERCEPÇÃO PESSOAL
Essa aula me despertou um grande interesse, talvez porque seja um tema que é pouco tratado durante a graduação.
Às vezes a gente vai se “acostumando” com o discurso da diversidade, mas na prática os serviços continuam sendo
lugares de exclusão. Eu fiquei pensando no impacto de uma consulta onde a pessoa não é tratada pelo nome que
escolheu. Quando uma pessoa LGBTQIA+ desiste do cuidado em saúde, não é só uma "evasão", é um sintoma de que o sistema falhou.
Diante de uma situação de homofobia no ambiente de trabalho, como no caso 1, o primeiro passo é interromper
imediatamente qualquer conduta discriminatória e garantir acolhimento e escuta ao funcionário afetado,
sinalizando que ali é um espaço de respeito e segurança. Em seguida, é essencial seguir os protocolos
institucionais e legais, registrando o ocorrido e comunicando a gestão de recursos humanos ou setor responsável,
para que as medidas disciplinares cabíveis sejam aplicadas. O agressor deve ser chamado para uma conversa
individual, com escuta, mas também com firmeza, destacando que atitudes discriminatórias não serão toleradas.
Além disso, é importante promover ações educativas com toda a equipe sobre diversidade e
respeito no ambiente de trabalho, contribuindo para prevenir novas ocorrências.
No caso 2, o atendimento deve começar com escuta acolhedora, respeitando o nome social e os pronomes da paciente,
garantindo um ambiente seguro e livre de julgamentos. A anamnese nutricional deve considerar as particularidades
fisiológicas e metabólicas da terapia hormonal, avaliando possíveis impactos no perfil lipídico, massa magra,
densidade óssea e outros marcadores relevantes. É fundamental integrar essas informações ao plano nutricional,
ajustando a conduta de acordo com as necessidades clínicas específicas da paciente. Além disso, é importante dialogar
com a equipe multiprofissional para garantir que toda a assistência hospitalar seja igualmente respeitosa e qualificada,
promovendo cuidado humanizado à mulher trans.
Sobre o caso 3, partindo do princípio que o cuidado nutricional deve ser construído a partir de um vínculo acolhedor
e livre de julgamentos, respeitando o nome social e a identidade de gênero do adolescente, é necessário corrigir a
equipe quando necessário, de forma ética e educativa. O plano alimentar precisa considerar as limitações físicas
e emocionais atuais, focando em metas realistas, respeitosas e que valorizem a autonomia do paciente, sem reforçar
discursos gordofóbicos. É essencial compartilhar o cuidado com a rede de apoio psicossocial da unidade de saúde,
encaminhando o paciente, se necessário, para suporte. Além disso, buscar sensibilizar a equipe multiprofissional
sobre a importância da escuta ativa, do uso correto do nome e de um ambiente seguro para esse adolescente que já vivência vulnerabilidades.
MATERIAL EXTERNO
Uma fala que ecoou para mim enquanto pensava sobre essa aula foi da Linn da Quebrada, uma artista e mulher trans,
que disse numa entrevista: “Se eu não puder ser eu mesma, eu prefiro não estar.” Essa frase traduz muito da urgência
de se criar espaços onde pessoas LGBTQIA+ possam existir plenamente, sem precisar justificar ou esconder quem são.
Na saúde, e na nutrição em especial, isso se traduz em um atendimento que respeita e inclui todos os corpos.
Outro material que dialoga com essa discussão é o relatório da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais),
que mostra que o Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo e a expectativa de vida dessa população
ainda gira em torno dos 35 anos. A negligência da saúde pública é parte dessa estatística. Em contrapartida,
o Guia de Cuidado e Atenção Nutricional à População LGBTQIA+, do CRN-1, é um marco fundamental.
Ele não apenas sistematiza o conhecimento técnico, mas faz isso com escuta e com compromisso político,
o que me inspira como futura profissional a atuar com mais coragem e responsabilidade.
REFERÊNCIAS ABNT
BRASIL. Conselho Regional de Nutricionistas da 1ª Região. Guia de cuidado e atenção nutricional à população LGBTQIA+. 1. ed. Brasília: CRN-1, 2021.
OANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2023.
Disponível em: https://antra.org.br.
ENTREVISTA com Linn da Quebrada. Universo Online, São Paulo, 2021. Disponível em: https://www.uol.com.br.
AULA 12: Preconceitos morais – gordofobia
Esse foi o último encontro presencial do semestre e contamos com a presença
de uma professora convidada para ministrar a palestra e conduzir o debate.
TEORIA
A gordofobia é a discriminação contra pessoas gordas, pautada tanto por valores sociais quanto por práticas biomédicas.
Ela funciona com base na associação entre gordura corporal e fracasso moral, sujidade, descontrole e, principalmente, doença.
A sociedade produz um ideal de corpo magro como único modelo de saúde e beleza, e qualquer desvio desse padrão é visto
como problema a ser corrigido. Essa lógica está presente nos consultórios, nas diretrizes clínicas,
nas políticas públicas e nas vivências cotidianas: desde piadas até a exclusão de corpos gordos de espaços de lazer, cultura, educação e afeto.
Nos serviços de saúde, inclusive na nutrição, a gordofobia se manifesta em abordagens reducionistas e violentas:
a pessoa gorda é muitas vezes tratada como um “peso a ser perdido”, ignorando suas demandas reais, desejos, sofrimento
psíquico e histórico alimentar. Diretrizes brasileiras ainda enfatizam exclusivamente a perda de peso como
desfecho terapêutico, patologizando o corpo gordo como se ele, por si só, fosse uma doença. Essa abordagem,
como mostram os artigos, desumaniza e distância pacientes do cuidado, provocando abandono de tratamento,
vergonha corporal e impactos graves na autoestima. Praticar uma nutrição não gordofóbica exige romper com essa
lógica que muitas vezes nem nos damos conta. É necessário promover o cuidado a partir
de escuta, respeito e foco em saúde integral, e não em números na balança.
PERCEPÇÃO PESSOAL
Situações gordofóbicas estão em toda parte: nos consultórios, nos transportes públicos, nas redes sociais,
nas lojas de roupa, nas falas automáticas de familiares e até nas recomendações de saúde pública.
Isso é assustador! Como o relato que compartilhei em aula, já presenciei colegas de profissão tratando
pacientes gordos com impaciência, como se a obesidade invalidasse a escuta e a autonomia, tratando-os
como mentirosos. Também senti o quanto é comum o olhar avaliativo que pesa nos corpos antes mesmo da primeira palavra.
A aula me fez refletir sobre como esses comportamentos, muitas vezes naturalizados, impactam diretamente na exclusão e no sofrimento dessas pessoas.
Durante a aula, me dei conta do quanto a gordofobia está presente de maneira velada (ou escancarada) na Nutrição
e na saúde no geral, inclusive na forma como aprendemos a nos comunicar com os pacientes.
Reduzir um paciente apenas a “necessidade” de perda de peso carrega um julgamento que ignora toda a complexidade
por trás daquele corpo. Me doeu reconhecer que já repeti discursos gordofóbicos no automático, mesmo sem intenção de ferir.
A desconstrução é um processo ativo, que exige disposição para ouvir, rever e mudar.
É simbólico e necessário que tenhamos esse espaço de debate, mesmo que só no sexto semestre do curso.
O preconceito contra pessoas gordas não surge do nada, ele é aprendido, reforçado e naturalizado pela mídia e cultura
hegemônica ao longo da vida, sendo essencial que as formações acadêmicas em saúde desconstruam essa lógica, especialmente
na Nutrição. Quando não questionamos essas ideias, corremos o risco de reproduzi-las em consultório e na vida profissional,
comprometendo profundamente o cuidado que oferecemos. Por isso, é urgente discutir a gordofobia entre os profissionais e
ainda na graduação. A nutrição não deveria ser mais uma ferramenta de opressão, mas sim um espaço de escuta, acolhimento e transformação.
Esse tipo de aula nos permite enxergar o que antes passava despercebido, e isso pode mudar tudo, tanto para nós quanto para quem atendemos.
MATERIAL EXTERNO
A gordofobia não se limita ao sistema de saúde: ela estrutura os espaços públicos, o consumo e até mesmo o lazer.
As pessoas gordas deixam de frequentar espaços de convívio social, como restaurantes, ônibus, academias ou eventos,
por medo de julgamentos e da inadequação física dos ambientes. Isso demonstra
que a acessibilidade também é uma questão excludente para esse público.
No Brasil, segundo a pesquisa “Obesidade e Gordofobia – Percepções 2022” da ABESO e SBEM, 85,3% das pessoas
com obesidade relataram algum tipo de discriminação por seu peso. Soma-se a isso o fato de que 61,5% dos
entrevistados relataram desconforto e falta de acolhimento nos serviços públicos de saúde. Esses dados mostram que,
na prática, a falta de “acesso” frequentemente significa se sentir mal, incompatível ou até invisível na maioria ambientes.
Isso deixa claro que a prática profissional em saúde deve considerar também a experiência emocional e social do corpo gordo.
O caso recente da influenciadora Maya Massafera expõe como a gordofobia pode assumir um viés elitista
na construção de padrões estéticos. Após um processo agressivo de emagrecimento, ela afirmou que
“gente mais simples gosta de gente mais cheinha”, e que para a “elite”, seu padrão de beleza e ao qual quer
pertencer, ela ainda seria considerada gorda. Esse episódio escancara como o culto à magreza extrema,
além de violento e adoecedor, é também classista: reforça que apenas corpos magros, brancos e ricos são
dignos de serem aceitos como bonitos ou saudáveis. Essa lógica fere diretamente o princípio de respeito
à pluralidade corporal, expondo como a cultura é reforça preconceitos e desigualdades.
REFERÊNCIAS ABNT
ABESO – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA. No Brasil, 85% das pessoas
obesas já sofreram gordofobia. ABESO, 2022. Disponível em: https://abeso.org.br/no-brasil-85-das-pessoas-obesas-ja-sofreram-gordofobia/.
METRÓPOLES. Maya Massafera gera polêmica ao relacionar corpo com classe social: “rico gosta de magreza”.
Metrópoles, 2023. Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas/ilca-maria-estevao/magreza-e-elite-historiadoras-contestam-declaracao-de-maya-massafera.